quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Eu os amei...assim...amor lunar...
Vânia Vieira ,
(o amor tem tempo indeterminado...)
E u amei cada barriga,
dos bebês redondos,
com cheiro bom,
de lavanda
feita por mim mesma.
E guardei essas meninas,
no meio dos meus seios.
como quem esconde tesouros...
Rindo, cantei
cantigas de amar...
de entoar...
cantigas de ninar..
cantigas de relembrar...

No calmo aconchego de tardes chuvosas,
estava lá...
ciosa do meu lar,
contente de ficar, ostra, uterina,
no enrodilhado dos dias banais...
Eu não amava a rotina,
mas estava lá...
pretenciosa no meu calar,
estava lá...
ouvindo muito,
dias passando...a esperar...
Eu, alma judia, canceriana, mulher lunar!!!
Num enroladinho de linho e seda me trouxeram as meninas. Cada uma delas apresentada num embrulho que eu caprichei: eram mantas macias, com cheiro bom, do perfume de lavanda feita por mim mesma para cada uma ...Enrolei-as em mim, depois de cada parto, no quente dos meus seios, na minha carne agora descansada.
Veio a primeira, olhos negros atentos, fitos em mim, o choro estancado apenas por me ver. Aninhei-a em meus braços. Veio a segunda, chorinho manso, clarinha, serena, aninhou-se. Veio a terceira, rosa branca, pele aveludada, na manta branca, uma princesa...mais uma princesa!!!
Eu me contentava em alimentar cada uma delas, cantarolar canções inaudíveis, apenas murmuradas; para cada qual um som, uma poesia diferente...
Minhas meninas se fizeram mulheres e já não posso prendê-las aos meus seios, tampouco calar-lhes as mágoas com cantigas de ninar. Cada uma traz a dor indizível, de menina, de mulher, porque todas as mulheres foram feitas para suportar as dores do mundo e sofrem de alguma maneira. Um mar se derrama por elas, ao menor descuido.
E eu, me surpreendo estupefata, as palavras fogem, e silêncio profundo se interpõe entre os nós, de nós quatro. Quatro mulheres que se amam e se buscam no barulho da casa, onde também vive uma coruja. Quatro mulheres mais uma: uma coruja , de uma rua cheia delas nos acompanha, essa que eu descubro ser a mais frágil, simbolizada pela criança que há em mim e que precisa se sentir forte para cuidar das outras três. Vou descobrindo entre um susto e outro, entre uma alegria e uma dor, o quanto amo cada uma delas, essas lindas meninas que parecem muitas vezes ter chegado de uma vez só. Um amor que às vezes se expressa em horas eternas, quando ficamos juntas, na concha-casa, sem querer arredar o pé porta afora. Eu sinto que preciso protegê-las...Ficamos horas enroladas em nossos mistérios íntimos, pairamos imunes aos aplausos ou críticas, no entreato de cada manhã e cada anoitecer, intercalando-se...
Padeço de ser mulher, padeço de ser mãe, padeço de uma alegria doída e mágica por cada uma das minhas filhas, geradas, amadas, retidas no meu coração.
Padeço de ser filha (e neta) de grandes mulheres, guerreiras como eu, mas também felinas da floresta, aguerridas lutadoras, feras da tragédia cotidiana, dum palco sem plateia, no anonimato dos dias, costurados com retalhos dos sonhos que permanecem. Padeço de ser avó...
Rendo-me ao zelo permanente, e curvo-me à rotina da caverna: este é meu rito e minha iniciação.
Vânia Vieira- dezembro de 1977.
Enviada do meu iPad

Nenhum comentário: