sábado, 24 de maio de 2008

Grisalhos com muito charme-Anne Kreamer

Anne Kreamer tingia os cabelos fazia tanto tempo que, diz, já nem sabia qual era a cor original. Aos 24 anos, começou com um alaranjado luminoso que destoava propositadamente do tom sóbrio usado pelas colegas de banco. Aos 40, adotou um preto-azulado que lhe dava um ar de roqueira e afastava o complexo de mãe envelhecendo. Foi só beirando os 50, quando olhou para uma fotografia sua ao lado da filha adolescente, que Anne entrou em crise. Viu na foto uma mulher de 49 anos que tentava aparentar 34. Achou que era hora de saber o que havia por baixo da coloração. Descobriu não apenas o cinza e o branco que esperava, mas um aspecto de sua personalidade que queria encobrir com a tintura. A experiência pode parecer fútil, mas rendeu um livro de sucesso nos Estados Unidos, Going Gray, que será lançado neste mês pela Editora Globo com o título Meus Cabelos Estão Ficando Brancos.
No livro, Anne relata como se sentiu ao longo dos 18 meses em que viu seus grisalhos aparecendo. O período de transição foi desconfortável, segundo ela, por causa da aparência desleixada do cabelo com as raízes descoloridas. A compensação foi descobrir, ao final da transformação, cabelos brilhantes e sedosos, merecedores de mais elogios que qualquer tom artificial. “Eu usava a coloração como uma muleta”, diz a autora. “Pensava que, se estivesse com o cabelo bem-feito, ninguém notaria se eu ganhasse 7 quilos ou vestisse um jeans velho. Quando deixei meu cabelo crescer grisalho, me dei conta de que precisava prestar mais atenção ao conjunto de minha aparência, o que eu não fazia havia muito tempo.” As reações das amigas – a maioria de cabelos tingidos – foram variadas. Umas aplaudiram sua coragem, outras reafirmaram a intenção de tingir até a morte. Anne fez uma experiência para testar a relação entre cor do cabelo e idade aparente. Pondo lado a lado fotos de mulheres com os cabelos tingidos e uma versão grisalha delas montada em computador, ela concluiu que a tintura nem sempre rejuvenesce. Às vezes, faz a mulher parecer mais velha. Em um site de relacionamento, Anne fez outra experiência: postou duas fotos suas, uma com os cabelos tingidos e outra com os fios grisalhos. Houve mais homens interessados na segunda.
“Todas as minhas conversas durante o processo de ficar grisalha me convenceram de que essa questão aparentemente tão trivial era, de fato, nada trivial às psiques, identidades e vida das mulheres”, diz Anne no livro. Uma de suas interlocutoras foi a amiga e também escritora Nora Ephron, autora de Meu Pescoço É um Horror (editora Rocco). Nora, aos 66 anos, tem cabelos castanhos. As duas foram jovens na época do movimento hippie e vêem mulheres de sua idade sentir-se culpadas por aderir a escolhas tão frívolas quanto tingir os cabelos. É como se disfarçar a idade fosse aceitar o establishment e abandonar os ideais da juventude.
Tingir os cabelos exige o esforço de retocar as raízes duas vezes por mês. Mesmo assim, nos Estados Unidos como no Brasil, são raras as mulheres que deixam os fios brancos crescer livres. A maioria o faz para manter a aparência. Uma pesquisa da empresa de cosméticos L’Oréal, realizada no ano passado, mostrou que mais da metade das mulheres brasileiras que colorem os fios brancos escolhe um tom próximo à cor original.
ASSUMIDA-A paulista Maru Girardi diz que nunca se incomodou com os fios brancos. “A mulher que quer parecer mais nova usa aquele tom loiro-menopausa”, diz
Deixar os fios brancos à mostra nem sempre funciona. A consultora de moda Regina Martelli tem uma opinião clara. “Só funciona se for muito chique e bem tratado. Senão fica parecendo uma personagem fantasiada”, diz. Aquelas que optaram pelos tons cinza e branco não concordam. (A polêmica continua no artigo ao lado.) A comerciante paulista e grisalha assumida Maru Girardi sabia que na família os cabelos dos mais velhos adquiriam um belo tom prateado. Bastou esperar os anos passarem e escolher um corte que combinasse com seu rosto. “O cabelo pintado entra em conflito com uma cara envelhecida. É a mulher querendo parecer mais nova, aquele tom que eu chamo de loiro-menopausa”, diz Maru. Assim como Anne Kreamer conta em seu livro, Maru observa que os homens são atraídos pelas grisalhas por ver nelas mulheres que não têm medo de mostrar quem realmente são.
Nem sempre o cabelo branco vem com a idade. No caso da carioca Ana Castello Branco, o primeiro fio branco apareceu aos 4 anos. Ela passou a adolescência e toda a juventude já com muitos cabelos grisalhos, em tons entre o branco e o preto. Hoje, aos 49, orgulha-se de uma cabeleira longa e alvíssima, tratada com xampus comprados fora do Brasil, e que nunca ousou tingir. A brancura de seu cabelo sempre foi polêmica. Os comentários e interrogatórios de amigos e desconhecidos são inevitáveis, e os elogios acabam, segundo ela, predominando. “Eu encaro o meu branco como uma cor, porque sempre foi assim. Embora já tenha influenciado outras mulheres, sei que algumas não devem deixar os brancos aparecer, porque pareceriam envelhecer rapidamente.”


Respeitem meus cabelos tingidos!As mulheres se tornaram donas de suas contas bancárias e de suas raízes capilares. Abrir mão disso seria um contra-senso
Em seu mais recente livro, Meu Pescoço É um Horror, Nora Ephron declarou que o que revolucionou a vida da mulher contemporânea não foi o feminismo nem a aeróbica, mas a tinta de cabelo. Sob pena de decepcionar as mulheres (poucas) que resolveram levantar a bandeira da “autenticidade” para defender um movimento pró-cabeças grisalhas, concordo totalmente com Ephron. Outra escritora antenada, Anne Kreamer, tomou corajosamente a decisão de limar a tintura de sua vida e contou sua experiência em um livro. Com todo o respeito pela autora e até gostando de seu novo white look (em corte caprichadíssimo, ressalte-se) e de seu livro (bem interessante, admita-se), acho que a polêmica já apelidada de Gray War não deve preocupar o mais poderoso segmento da indústria cosmética mundial.
É uma falsa questão. E está muito mais ligada à estética do que à ética feminina. Cabelos brancos envelhecem a fisionomia e, adivinha só, ninguém quer parecer mais velho do que é. Não só as mulheres, como homens, que não pintam os cabelos porque fica mesmo ridículo ou porque acreditam sinceramente que ficam parecidos com o George Clooney. Abrir mão de qualquer artifício que a ciência tenha disponibilizado a nosso favor é, no mínimo, um contra-senso.
Na aparência e no comportamento, todas nós rejuvenescemos vertiginosamente nas últimas décadas. Mulheres de 40 anos eram velhuscas, aos 50 quase anciãs, e daí por diante macróbias. Fizemos um tremendo esforço para escapar desse triste desfecho precoce. Estudamos, trabalhamos, fizemos dietas, malhamos e... pintamos os cabelos. Ficamos loiras, castanhas, ruivas, (quase) magras e donas de nossas contas bancárias e nossas raízes capilares. Aos 50, damos risinhos maldosos quando encontramos nossos ex-colegas de faculdade que agora se parecem nossos pais. Não precisamos mentir a idade porque, de fato, ao parecermos mais novas, passamos a ser encaradas como tal, cheias de energia física e mental. Os cabelos pintados avalizam nossa cronologia interna, não o contrário.
Há mulheres belíssimas com cabelos acinzentados. São todas modelos suecas e escritoras francesas
Conheço mulheres (poucas) que ficam belíssimas com cabelos acinzentados. São todas modelos suecas, escritoras francesas ou a Meryl Streep (só em O Diabo Veste Prada) e a Helen Mirren. E elas têm muuuuuito trabalho. Gastam mais tempo e dinheiro no salão do que com uma cabeleira tingida comum. Ou adotam os cabelos muito curtos, o que, sinceramente, não ajuda ninguém depois dos 40.
Anne Kreamer destaca como surpreendente que os homens não estão nem aí para o branco de nossos cabelos. É natural que os homens, depois de uma certa idade, se sintam atraídos pelo charme elegante de uma cabeleira cinza. O problema é que não são os homens, mas as mulheres, as implacáveis juízas da nossa imagem. Mais precisamente, somos nós mesmas diante do espelho. É a partir da satisfação ou não com o que vemos refletido que nos tornamos belas e poderosas. Ou destruídas para a vida, o amor ou o trabalho. Olhar no espelho e enxergar a nossa avó é como ter um bad-hair day que durasse a eternidade. E a maior prova de que a “Guerra Cinza” é mais frívola do que parece foi o resultado de uma enquete entre as mais convictas usuárias de tintura nos cabelos. Quando perguntadas se preferiam ser tingidas e gordas ou grisalhas e magras cravaram sem pestanejar: grisalhas e magras. Claro.