Simplicidade voluntária-artigo de Carlos Vonshosten
A recente reportagem do Fantástico apresentou-me ao movimento Simplicidade Voluntária. Achei interessante. Até compartilho de muitas idéias, princípios e valores. Os fundamentos do movimento estão ligados ao desapego material, à busca da qualidade de vida natural e ao reencontro do homem com a natureza, o meio ambiente e com seus pares.
Mas o tema deste artigo refere-se a outro movimento, extremamente importante, de simplicidade voluntária também, do qual muitos estão fazendo parte nos tempos atuais. Trata-se de comportamentos que adotam a simplicidade em valores básicos da convivência social.
É a simplicidade voluntária de caráter, de princípios, de valores. Esse movimento parece ter contagiado todas as camadas e esferas da sociedade. Líderes religiosos, juízes, governantes e representantes do povo, médicos, administradores, advogados, atletas esportivos, professores, policiais, recepcionistas, pedreiros, porteiros, vendedores de picolé, e mais, muito mais. Parece que não há uma profissão ou atividade que não esteja manchada por essa banalização do jeito de ser e agir.
Claro que na história da humanidade sobram exemplos de sujeira empurrada para baixo do tapete, entre papas, reis, rainhas, comerciantes e fabricantes de espadas. Até já me disseram: “a humanidade é corrupta!” “A mentira é parte da natureza humana!” Porém, deixo-me embriagar pela utopia da sociedade perfeita. Sou como William Faulkner, cujas palavras fiz questão de reproduzir em meu discurso de formatura: “I decline to accept the end of man”. Eu creio no homem!
Custa-me muito aceitar tão dolorosa e sórdida realidade. Parece perseguição, mas, para onde me viro, deparo-me com esse movimento do qual prefiro viver ilhado. Antes, fosse nobre como aquele da reportagem. Mas não é! Corrói rapidamente o que há de melhor nas pessoas. Torna deveras desafiante viver no meio de tanta indulgência.
A empresa da qual sou cliente tenta me enganar, sem esforçar-se por disfarçar. O vendedor me oferece um produto que não atende minhas necessidades; e ele sabe disso. O médico despreza meus problemas. A “igreja” só pensa no meu dinheiro. O policial também. O professor tenta me enrolar para não reconhecer seu erro. Um amigo me passa a perna. Um colega me passa para trás. O pedreiro leva minhas ferramentas escondidas em sua bolsa. O motorista do ônibus freia bruscamente, mal intencionado. O jogador do meu time faz cena para valorizar seu salário. O juiz aceita o convite para o uísque na casa do poderoso empresário; depois tem que retribuir. O advogado sabe que tenho direito; mas a causa é de valor irrisório e ele me aconselha a desistir. A construção é ilegal, todos sabem, mas atende a interesses particulares, e as autoridades fazem vista grossa. A empregada usa os perfumes e roupas da minha mulher; escondido é claro. O técnico colocou uma peça usada no meu computador, mas cobrou-me por uma nova. Três carros já caíram no buraco, causando graves prejuízos aos seus proprietários, mas ninguém é responsável. O troco estava errado, porém, ele fez que não notou. O inquilino depreda o imóvel, e o usuário, a praça, afinal não lhes pertencem. O repórter explora o sensacionalismo barato às custas da emoção alheia.
E assim, vamos acostumando com o que é anormal, até que se assume a normalidade daquilo que é antinatural. A imobilidade da consciência que apequena a razão e parece “glamourizar” à insensatez.
Por essas coisas, imagino, aquele movimento da Simplicidade Voluntária do Fantástico cresce tanto a cada dia, com novos adeptos. Talvez então, tenhamos que criar um movimento que funcione como antídoto. Uma espécie de luta armada da alma, da palavra e do pensamento. O movimento pela urgente, imediata e grandiosa valorização do caráter, da dignidade e da honra.
Procure o quartel general mais próximo e aliste-se. Arme-se até os dentes, pois a guerra será dura e cheia de baixas. O QG da consciência, as armas da ação, os rifles da opinião, as bazucas da palavra, precisam de nós. Antes que seja tarde.