segunda-feira, 14 de setembro de 2009

...das mãos para o coração...

Programa Mãos que Cuidam: Das mãos para os corações
Visitar um parente ou amigo no hospital é sair com o coração partido. A dor estampada no rosto e o acúmulo de tubos e fios que a medicina moderna impõe ao doente compõem um quadro desolador. Se o sofrimento abala as visitas imagine então o que o próprio doente está passando. A necessidade de darmos conforto a ele quase sempre não passa da boa intenção. Palavras de consolo, de ânimo, promessas de que logo irá melhorar – sejam verdadeiras ou não - é o máximo que conseguimos lhe passar. A medicina se incumbe dos procedimentos e dos remédios, e os religiosos da oração. Mas haveria alguma outra maneira de confortar aquele ser desamparado, praticamente jogado (ainda que receba todos os cuidados de um hospital) naquela cama? A massoterapeuta Rosana Ades, criadora do Programa Mãos que Cuidam, achou um caminho nunca antes adotado nos hospitais do Brasil: a massoterapia de conforto (massoterapia significa massagem terapêutica)Formada em Comunicação Social, Rosana sempre se sentiu atraída pela área de Saúde e no final dos anos 90 deixou de lado a atividade de publicitária para dedicar-se ao estudo de técnicas de massagem terapêutica. Nessa época, fazendo um trabalho voluntário com crianças em hospitais públicos, já pensava no projeto que viria a realizar somente na passagem do século. O que desencadeou sua concretização foi a leitura de uma edição da revista americana “Massage Magazine”. Rosana se lembra do impacto que a capa lhe causou: “Uma mulher de cabelos muito curtos, coberta apenas com um lençol até a cintura, tinha o braço direito dobrado sobre o ombro esquerdo, enquanto o outro braço repousava tranquilamente no colo. Como somente um braço a protegia, era visível um corte em cada lado do peito, de forma diagonal, dando a entender que havia passado por uma mastectomia total. Embora chocante, a beleza da foto sobre um fundo em sépia revelava grande delicadeza. A chamada da matéria era: “Tocando pacientes com câncer.”Como qualquer aluna de massagem terapêutica, Rosana tinha aprendido que não se deve massagear pessoas com câncer, pois isto pode provocar um maior estímulo do sistema linfático e ocasionar a metástase daquele câncer. Intrigada, ela se indagou: quem estaria conseguindo quebrar o paradigma então vigente de que massagear pacientes com câncer era contra-indicado? ”A autora desta ousadia era a massoterapeuta americana Gayle MacDonald e Rosana resolveu procurá-la. Afinal, a norte-americana parecia apontar a direção para seu mais caro objetivo já citado aqui: tornar a massagem terapêutica uma técnica aceita e respeitada, e ser um complemento aos procedimentos tradicionais de saúde. Ao saber que Gayle MacDonald daria um treinamento em massagem terapêutica para pacientes com câncer em um hospital-universitário na cidade de Portland, nos Estados Unidos, Rosana se inscreveu e viajou para lá. “Voltei para o Brasil cheia de novidades, com o livro da Gayle nas mãos, certa de que havia aprendido muito e que minha missão seria muito simples: iniciar o primeiro programa brasileiro de massagem em hospitais”.
OS DESAFIOS
Até então, Rosana não tinha ideia dos desafios que encontraria pela frente para tornar esse programa viável. Passou várias noites em claro, imaginando como faria isso. “O primeiro passo seria adaptar projetos americanos, que estavam em pleno andamento, para a nossa cultura hospitalar. Passei o ano inteiro de 2002 trabalhando em um projeto-piloto.” As dúvidas de Rosana eram muitas: com quem falaria sobre o projeto? Qual era o público a ser atendido? Como convencer um diretor de hospital de que o trabalho poderia ser bom tanto para os funcionários quanto para os pacientes? Seria ousadia sua, com tão pouca vivência na área, fazer esse trabalho em um hospital? Como quebrar o medo e o preconceito dos profissionais da saúde tradicionais, sem ferir vulnerabilidades e egos? E enfim, onde arrumar coragem para enfrentar uma primeira entrevista com o responsável do setor de humanização de um grande hospital particular? Vencidas as barreiras internas, Rosana começou a fazer contatos com profissionais da Saúde em vários hospitais de São Paulo. Muitos que a ouviam achavam a idéia tentadora, interessante e diferenciada, mas poucos tinham coragem de levar o projeto adiante. Fazia apresentações em “Power Point” em hospitais, com uma banca examinadora assistindo. “Sempre senti receptividade positiva de todos os lugares, mas ficava só nisso. Faltava ousadia, até mesmo dos diretores que me assistiam”.Ela então começou a participar de Congressos de Humanização Hospitalar promovidos pela Associação Viva e Deixe Viver, Doutores da Alegria e Projeto Carmim. “Em uma dessas exposições, no Centro de Convenções Rebouças, aluguei um estande só para mim onde expus imagens auto-explicativas sobre meus atendimentos no hospital americano em que fiz o curso. Para cada médico, assistente social ou simples curioso que entrava no estande eu contava minha experiência e mostrava a forte crença no trabalho que realizava. Àquela altura eu já confiava muito no que estava fazendo”. SURGE UM CONVITEFoi então que um médico, diretor no Emilio Ribas na época, junto com uma assistente social, convidou Rosana para fazer uma vivência com os funcionários do Hospital. Quem sabe, depois, com mais confiança, o Hospital a chamaria para se aproximar dos pacientes. “Só o Emílio Ribas se mostrou aberto para o novo. E neste hospital, berço de tantos outros projetos de humanização, pude atender funcionários e pacientes, apoiada por uma equipe multidisciplinar”. Para chegar até os pacientes Rosana precisou antes sensibilizar os funcionários. A ideia partiu dela e da assistente social: colocaram um biombo em um canto do terceiro andar, onde ficavam as crianças, adolescentes e alguns adultos. Os funcionários, a cada 20 minutos, recebiam uma massagem nas cadeiras de “quick-massage” e saíam da curta sessão, completamente renovados. Ela ia explicando a cada um o porquê de sua presença lá. “Foi uma fase maravilhosa de descobertas, tanto para mim quanto para os que participaram. Muitos funcionários nunca tinham recebido uma massagem antes!” Rosana aprendeu muito nesse atendimento pois percebeu que a necessidade dos funcionários era tão grande quanto à dos pacientes acamados. “Estavam debilitados fisicamente, cansados, estressados, muitos com problemas de obesidade e infelizes. A massagem ajudava-os a relaxar, a respirar melhor. Também se sentiam valorizados pelo hospital onde atuavam, pensando que finalmente alguém se preocupava com eles”. Da fase de sensibilização para o toque dos pacientes foi um passo muito natural, pois os funcionários logo perceberam que os pacientes se sentiriam bem e ficariam mais tranquilos depois da massagem. Durante um ano, uma vez por semana, Rosana dedicou manhãs e tardes a funcionários e pacientes acamados, com o apoio e orientação da médica Dra. Glória Brunetti, hoje a presidente do Voluntariado Emílio Ribas (VER). O programa, enfim, foi implantado em março de 2004
O TOQUE
A trajetória, árdua e longa, contrasta com a simplicidade da proposta: a prática de massagem leve e reconfortante nos pacientes internados, exercida por profissionais capacitados em massoterapia. Em um atendimento que dura aproximadamente meia hora, os massoterapeutas aplicam a terapia do toque. Rosana explica: “Há um protocolo de atendimento, os massagistas são orientados em todos os passos desse protocolo: como proceder antes de entrar no quarto; como se comportar ao encontrar-se com o paciente e a família que o acompanha; que regiões do corpo podem e devem ser tocadas e quais não podem ser tocadas; como manusear o corpo do paciente; quando pedir ajuda ao auxiliar de enfermagem; precauções universais de higiene; confidencialidade de tudo o que o paciente falar durante a sessão, entre outros cuidados. Tocamos basicamente nos pés, pernas, mãos, braços, ombros e se possível a cabeça. Mas cada paciente tem uma necessidade específica, e dosamos o toque para não atrapalhar ou prejudicar a pessoa acamada. Tomamos cuidado, também, para não tirar cateteres do lugar, o que poderia causar uma infecção”. Nem todos os pacientes sentem-se aptos para a massagem, alguns pensam que irá doer. “Só atendemos quem realmente deseja o toque. Primeiro explicamos o que iremos fazer, pedimos autorização do médico responsável, que assina um termo de responsabilidade. E o paciente, se puder, também terá que autorizar por escrito.” Mas, segundo a massoterapeuta, depois que conhecem o trabalho os paciente costumam virar “fregueses”. “O relaxamento é tão grande que a maioria adormece igual a um bebê. Muitas vezes, tive uma sensação materna, cobrindo os pacientes como uma mãe faz com seus filhos, apagando a luz e saindo do quarto, avisando para a enfermagem deixá-los descansar um pouco”. A “fama” da massagem de Rosana correu pelo hospital e muitos médicos e residentes, curiosos, pediam para ver como era o trabalho. “Assim, foi-se criando uma relação de muita confiança entro as equipes de saúde e o meu programa”.
HISTÓRIAS
Sobre os pacientes, Rosana poderia escrever um livro inteiro de experiências inesquecíveis - e gratificantes. “Não há histórias ruins, porque mesmo os pacientes que acabaram por falecer tiveram a possibilidade de viver momentos de troca profunda, de relaxamento, de sensação de bem estar no corpo, de poder dormir, de não se sentir sozinhos. Gratos pelo toque que recebiam, tocavam o coração dos massoterapeutas. São histórias lindas de gratidão e encontro”. Uma das lembranças mais marcantes para ela é a do paciente que havia acabado de chegar de um exame de punção para verificar se tinha meningite. A pedido da enfermeira, iria fazer a massagem. “O paciente voltou para o quarto tão traumatizado pelo exame que não conseguia se mexer por medo de doer. Quando falei da massagem, ele murmurou que não sabia como poderia ser tocado, já que tudo doía. Fui me aproximando com calma e delicadeza, começando por um “cafuné” nos cabelos. Depois, fui para os pés, muito suavemente. Fiquei por um tempo simplesmente segurando seus pés. Coloquei então uma das minhas mãos, com muito cuidado, sob o osso sacro dele, e repousei a outra mão sobre a barriga, formando um “sanduíche de toque”, aquecendo essa região. Depois disso, ele começou a se mexer e se espreguiçou como um gato. Surpresa, perguntei: como conseguiu se espreguiçar ? Não disse que tudo doía ? Ele respondeu: você é mágica, não sinto mais nada. Depois levantou-se e foi andar pelo corredor. Nunca vou me esquecer desse atendimento. Não fiz grande coisa, nenhuma manobra tão especial, apenas o toquei com respeito, cautela e bom senso.”E assim, de paciente em paciente, Rosana foi constatando que ao final de cada sessão a atmosfera do quarto se transformava: com músculos e mentes relaxados, ele adquire outra energia para enfrentar o seu tratamento. O VOLUNTARIADOUma parte delicada do projeto foi conseguir profissionais para o trabalho, pois somente massoterapeutas e fisioterapeutas com treinamento em massagem podem atuar. Esse treinamento, feito pelo próprio Hospital Emilio Ribas, dura um ano, quando são oferecidas palestras e dinâmicas de grupo para que os participantes se certifiquem de que realmente desejam fazer um trabalho voluntário. Todos passam também por um treinamento em biosegurança, já que é um hospital de doenças infecciosas. Há o treinamento específico para massoterapeutas – eles precisam adaptar o toque de massagem para pacientes acamados, transformando-o em um toque de conforto. Aprendem também como atuar em um ambiente hospitalar, algo que não se ensina nas escolas tradicionais de massagem. “Estamos preparando agora o conteúdo programático para o primeiro curso de massagem hospitalar com certificação científica no Brasil, que deve ter início ainda em 2009,” diz Rosana. Orgulhosa, acrescenta: “Pelo pioneirismo, profissionalismo e dedicação, somos referência nacional em Massoterapia Hospitalar.”
RESULTADOS
Desde o início do programa até hoje, mais de duas mil pessoas, entre funcionários e pacientes, foram atendidas por diversos profissionais de massagem terapêutica e fisioterapia voltada para o toque terapêutico. “Vamos ao hospital quase todos os dias, dependendo do número de voluntários que temos naquela semana. Se só temos dois, cada um irá atender, em média, três pacientes. Às vezes, pacientes que já estiveram no Emilio Ribas retornam com outros problemas de saúde e sabendo que estamos lá, solicitam nossa visita,” explica Rosana
PARCERIAS
O Programa Mãos que Cuidam não seria possível sem as parcerias iniciais que conseguiu. As empresas Legno e Mex doaram macas de massagem e cadeiras de “quick-massage”. As empresas Bioservice e Saniplan doaram luvas e óleos especiais. Hoje, o VER, a ONG que o hospital criou, consegue doações em espécie e em dinheiro para que o programa se mantenha. A empresa By Samia também doou óleos vegetais e a empresa Muriel também é uma importante parceira na doação de óleos de massagem. “Quando não compramos as luvas de nitrile brasileiras, aproveitamos amigos que viajam aos Estados Unidos, e quando eles retornam, sempre trazem umas duas caixas de luvas roxas de nitrile, que são mais agradáveis ao toque do que as luvas de látex, além de serem mais bonitas e as crianças adorarem.
A REALIZAÇÃO DE UM SONHO
Um sonho de Rosana e do Voluntariado do Emilio Ribas motivou-a a participar do Projeto Generosidade: a possibilidade de criar, com o valor do prêmio, o primeiro “hospice” brasileiro. Hospice é o nome utilizado fora do Brasil às casas que acolhem pessoas que estejam fora de condições de recuperação terapêutica, recebendo cuidados especiais de uma equipe multidisciplinar, até o seu momento final. Rosana almeja também dirigir uma parte do valor do prêmio às ações do VER, o Voluntariado Emílio Ribas, e ao curso de massoterapia hospitalar.“Depois dessa trajetória de cinco anos em um hospital público, de muito aprendizado para todos os que contribuíram e participaram da efetivação do Programa Mãos que Cuidam no Brasil, seria maravilhoso que mais hospitais, casas de apoio e cuidadores se beneficiassem desse instrumento de humanização. Sou grata a todos que colaboraram e abriram portas para que o projeto se tornasse realidade: Valdir Cimino, do Programa Viva e Deixe Viver; Dr. Alexandre Campéas, médico pediatra do I.I. Emilio Ribas que a convidou; Adna, a assistente social que ajudou na sensibilização dos funcionários; e Dra. Glória Brunetti, médica infectologista e Presidente do VER, além de todos os funcionários e diretoria do I. I. Emílio Ribas,” termina Rosana Ades. Para saber mais: www.rosanaades.net
Texto preparado por Maria José Reis (jornalista)