A tatuagem da meia-idade
Contra a obrigatoriedade de parecerem mais jovens, mulheres enfrentam preconceitos, principalmente de outras mulheres, ao assumir os cabelos brancos
DENISE BRITO
COLABORAÇÃO PARA FOLHA
Em uma época repleta de recursos sofisticados para tornar as mulheres mais atraentes e joviais, disfarçar os cabelos brancos, de tão básico, virou quase uma obrigação. Essa é a percepção de algumas mulheres que se aventuraram pelo caminho inverso ao da maioria e ousaram assumir um visual grisalho em plena meia-idade.
A atriz Cássia Kiss, 50, que, entre uma novela e outra, corta os cabelos e os deixa na cor natural, afirma ser duro resistir à pressão, muito forte principalmente por parte das mulheres de sua faixa etária. "Há as que gostam, e gostam mesmo, mas há as que cobram e dizem: 'Logo você, uma atriz!'", relata. "A ditadura da aparência jovem é um fato, e todo mundo quer se salvar. Mas eu gosto de contar minha idade. Sou dona de mim, sei do que gosto, e minha fé em mim é muito forte."
A reação aos cabelos assumidamente brancos leva mulheres a concluir que, socialmente, a renúncia às tintas está vinculada à decrepitude e ao abandono de si próprias. "Algumas pessoas acham que você está desencantada com a vida, que se largou ou que está pirando", conta Mila Rey, 53, professora de inglês. "Eu usava hena desde os 33 anos para cobrir os fios brancos até que, aos 43, veio uma vontade de ver como era a verdadeira Mila. Deixei crescer a raiz e fiz um corte radical, bem moderno. Quando me olhei, achei o máximo! Senti-me livre, poderosa. Fui direto para um vernissage, e todo mundo gostou. Um tempo depois, começaram os comentários: 'Está bonito, mas ficaria mais se você pintasse'." Mila e suas colegas de experiência contam que abdicar de uma aparência que se convencionou ser rejuvenescedora pode ser considerado até agressivo aos olhos de quem acha difícil lidar com os sinais do próprio envelhecimento. "Uma amiga de ginásio não pode me ver que começa a falar: 'Sai de perto de mim que eu não quero ver isso!'", diz.
"'O quê?', gritou minha vizinha 'loura' de 50 e alguns anos quando mencionei minha decisão. 'Por que cargas d'água você quer parecer mais velha?'", relata a norte-americana Anne Kreamer, 52, em seu recém-lançado livro "Meus Cabelos Estão Ficando Brancos" (Ed. Globo). "Eu não tinha idéia de onde estava me metendo."
Ato de rebeldia
Tamanha é a convicção de que cabelo grisalho é para ser omitido que ostentar os fios brancos pode ser encarado hoje como um verdadeiro ato de rebeldia, uma espécie de tatuagem ostensiva das mulheres maduras.
Segundo a psicóloga professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Mônica Gianfaldoni, falta tolerância com o que é diferente. Ela diz não considerar alienadas as mulheres que pintam os cabelos, mas que, em um mundo globalizado, há um excesso de rigidez no padrão estético voltado para o vigor da juventude. "Será que, para ser feliz, a pessoa tem que parecer igual a todo mundo?", questiona. "Quebrar padrões e sair do script estão ligados a pensar mais, analisar critérios, olhar para dentro de si e decidir onde se quer investir, dar-se o direito de dispor do próprio corpo."
A terapeuta observa que a cobrança social não apenas de ser jovem, mas também de aparentar jovialidade, exerce maior pressão sobre as mulheres. Pesquisa recente com universitárias realizada na faculdade em que leciona, sobre critérios de escolha de parceiros, mostrou que o nível de exigência com a aparência é muito maior com elas próprias. "Beleza é uma questão sexista. A mulher se cobra muito mais por sua própria aparência do que pela de um parceiro em potencial."
Para a atriz Glória Menezes, 73, o período em que deixou os cabelos naturalmente brancos foi positivo. "As pessoas adoraram, acharam fashion daquele jeito bem curtinho. Queriam que eu continuasse, mas não posso, tenho de mudar conforme os personagens que faço", diz. Ela afirma considerar que a aceitação externa reflete o interior da pessoa. "O importante é se sentir bem, seja com o cabelo branco, vermelho, azul."
Com o público masculino, a professora Mila passou a fazer até mais sucesso com o cabelo novo, ao contrário do que previram as amigas. "Uma vez praticamente fui agarrada por um garoto de 26 anos quando saí para dançar com amigos. Ele não queria nem saber da diferença de idade", conta. "Acho que quem pensa que cabelo grisalho é coisa de velha talvez não saiba como é na Europa, nos Estados Unidos. Acho que ter esse preconceito, sim, é que é coisa de velha."