Encontrei essa pérola da literatura brasileira.
Quero compartilhar ...
A Rafaela e as estrelas...de Rubens Alves.
Rafinha: Seu pai Marcos me disse que você gosta de ver as estrelas, que vocês dois, no escuro da noite, se deitam na rede e ficam conversando sobre elas... Tem de ser no escuro da noite. É no escuro que a gente vê melhor o seu brilho. Faça uma brincadeira. Na sala, iluminada com lâmpadas elétricas, acenda uma vela. A luz da vela não vai fazer diferença alguma. Nem vai ser notada. Agora, apague as luzes e acenda uma vela... Ah! Como é linda luz da vela! A vela se torna o centro da sala, a coisa mais importante. E a gente cuida para que um sopro de vento não a apague! Assim são as estrelas.
Nas cidades iluminadas pelas lâmpadas elétricas o céu fica embaçado, a luz das estrelas fica fraquinha e a maioria desaparece. Agora imagine: nos tempos de antigamente, quando não havia luz elétrica e as noites eram realmente escuras! O escuro é ruim. Dá medo. Os olhos precisam de luz. Sem luz, ficamos cegos. Naquele escuro enorme, quando não se podia ver as coisas da terra por causa da escuridão, era possível ver os céus, iluminados por milhares, milhões de estrelas, piscando... A luz das estrelas traz alegria! Mário Quintana, um poeta velho com alma de criança, amava as estrelas e disse: "... que tristes seriam as noites sem a luz mágica das estrelas!"
Quando eu era menino, gostava de ficar deitado na grama, barriga para o ar, olhando as nuvens. E imaginava com o que elas se pareciam: um pato, um peixe, uma cafeteira, um jacaré, uma abóbora, um dragão... Essa é uma brincadeira divertida que todo mundo faz. Pois os homens que gostavam de olhar para as estrelas, há muitos mil anos, faziam coisa parecida. Você já deve ter feito um desenho assim: uma folha de papel com vários pontos; a gente vai ligando os pontos com um risco e, de repente, aparece uma coisa: casa, árvore, sapato... Acho que essa brincadeira foi inspirada naquilo que os antigos faziam com as estrelas.
Pois os céus, durante a noite, não são uma imensa folha de papel preto cheia de pontinhos luminosos? Eles ligavam as estrelas com riscos imaginários e diziam: é um escorpião, é um caçador com dois cães, é uma cruz, é um peixe, é uma águia! É isso que tem o nome de constelação. Constelação é uma palavra formada por duas outras, do Latim. Latim é uma língua muito antiga da qual nasceram o italiano, o espanhol, o francês, o português. A palavra constelação é formada pela junção (junção quer dizer ligação, duas ou mais coisas que se encontram) de con, que quer dizer junto e stella, que quer dizer estrela. Uma menina que se chama Stela é estrela. Se for Stela Maris é estrela do mar... Constelação, assim, quer dizer ajuntamento de estrelas. Aqui no Brasil a constelação mais conhecida é o Cruzeiro do Sul. Se você olhar para o Cruzeiro do Sul às 7 da noite, às 9 e às 11, você verá que ele muda de posição. Ele vai girando em torno de um ponto. Esse ponto é o sul. A outra, mais famosa, é o Órion, aquela que tem as Três Marias no meio. Órion, na mitologia dos Gregos, era o nome de um caçador, o mais bonito de todos. As Três Marias são o seu cinturão. Todo caçador tem de ter um cinturão! E todo caçador tem também de ter cães de caça. Pois o Órion tem, ao seu lado, as constelações chamadas Cão Maior e Cão Menor. Na constelação Cão Maior se encontra a estrela de maior brilho no céu, chamada Sírius. E há a constelação chamada Plêiades. A gente quase não vê. Mas com um binóculo comum aparecem as estrelas, nem sei quantas, lindas. Cecília Meireles, talvez a maior das nossas poetisas, fala delas num dos seus poemas: "Vimos as Plêiades. Vemos agora a Estrela Polar. Muitas velas. Muitos remos. Curta vida. Longo mar..."
A Cecília, logo após falar das estrelas, parece que muda de assunto. Começa a falar sobre barcos a vela. Mas o que é que barcos a vela do mar têm a ver com as estrelas do céu? Tem muito a ver. Navegando perto da costa, o navegador não se perde. Mas, e quando ele está no meio do mar, longe da terra? Água por todos os lados, nenhum sinal de terra no horizonte! Que rumo seguir? É tão fácil navegar na direção errada! Pois o navegadores descobriram que, faltando a terra para se orientaram, navegariam na direção certa se olhassem para os céus. Aquela oração que vocês fazem e que diz "assim na terra como no céu" vale para os navegadores: as direções da terra estão mostradas nas estrelas do céu. Que coisa mais interessante essa, que olhando para as estrelas distantes podemos saber onde estamos e em que direção estamos navegando! O Sol também é uma estrela. É um estrela que está muito próxima da terra e, por isso, aparece tão grande! E sua luz muito forte não permite que as outras estrelas sejam vistas durante o dia. Mas há uma situação em que a luz do Sol se apaga durante o dia e o dia vira noite! Você sabe qual é? Eu disse que a luz do Sol se apaga. Não é bem assim. Vou explicar. A luz do Sol está batendo nos seus olhos. Incomoda. Que é que você faz? Coloca a sua mão entre o Sol e os seus olhos. Assim, seus olhos ficam na sombra e você não vê a luz do Sol. Pois coisa semelhante acontece quando a lua fica entre o Sol e a Terra. A Lua tampa a luz do Sol. E a Terra, durante o dia, fica na sombra. E o dia vira noite! Quando isso acontece, os céus ficam negros e podemos ver as estrelas que normalmente não vemos, por causa da luz do Sol.
Eu acho que você pode se transformar numa astrônoma! Uma astrônoma é uma mulher cuja profissão é estudar os céus! Vou lhe contar uma coisa sobre a sua trisavó. Eu sou seu avô, pai do seu pai. Minha mãe era sua bisavó. E a mãe da sua bisavó era sua trisavó. Sua trisavó era minha avó... Não sei o ano em que ela nasceu. Mas imagino que deve ter sido por volta de 1870... Pois ela, que se chamava Delminda, era uma mulher diferente. Era doida por astronomia! Conhecia o nome das estrelas e tinha mesmo uma luneta para ver os céus. Eu mesmo usei a luneta da sua trisavó para ver estrelas... Pois aconteceu durante a sua vida - minha mãe era menina - uma coisa extraordinária: o cometa Halley passou pertinho da terra!
Cometa... Há uma variedade imensa de "coisas" no céu: estrelas dos mais variados tipos e tamanhos, planetas, satélites, asteróides, cometas e uma infinidade de outros corpos celestes... Um cometa é um corpo celeste que aparece de tempos em tempo com uma cauda. Minha mãe, que era criança quando isso aconteceu (1910) me disse que o cometa aparecia enorme no céu, muito maior do que a lua cheia, com uma luminosa cauda brilhante que fazia a noite virar dia!
Sim, pode ser que você venha a ser uma astrônoma. Ou pode ser que você venha a ser uma poetisa. Um astrônomo examina a estrelas, tira fotografias, estuda os seus caminhos e a sua vida. Vida, sim. As estrelas, como nós, nascem e morrem! Mas os poetas, diferentes dos astrônomos, ouvem as estrelas! Não são todos os que podem ouvir as estrelas. Para ouvir as estrelas é preciso tranqüilidade. Os adultos, coitados, não podem ouvir a voz das estrelas. Eles são seres perturbados, agitados, não têm tempo, só ouvem barulhos e os programas de televisão. Para se ouvir a voz das estrelas é preciso ser poeta ou... criança. Quem ouve as estrelas fica tranquilo. Eu me lembro, faz muitos anos... Eu estava angustiado com um problema e não podia dormir. Cansado de rolar na cama, levantei-me e fui para a janela do apartamento. A cidade estava em silêncio. Olhei para as estrelas que brilhavam. Já tinha visto o seu brilho muitas e muitas vezes. Aí elas começaram a falar: "Por que você está aflito? Nós estamos aqui brilhando, faz bilhões de anos. E continuaremos a brilhar por outros bilhões de anos."
Compreendi que eu estava aflito porque dava muita importância a mim mesmo. Mas quem pode se considerar importante olhando para as estrelas? Nossa vida é tão curta! Voltei para a cama e dormi, embalado pela luz das estrelas.
Muitos há que acham que as estrelas não falam. Elas tocam música. O universo é uma orquestra regida por Deus, compositor. Houve mesmo um astrônomo chamado Kepler que chegou ao ponto de escrever as estrelas como se fossem notas numa partitura musical. Ele afirmava haver ouvido a música que Deus estava tocando! Um compositor de nome Holst escreveu um poema sinfônico chamado Os Planetas. Mercúrio, Vênus, Marte, Terra, Saturno, Júpiter, cada um toca uma música que é só sua. Mas o poeta Fernando Pessoa, ao contrário, ao contemplar as estrelas não ouvia música. Ele tinha dó... "Tenho dó das estrelas/ Luzindo há tanto tempo,/ Há tanto tempo.../ Tenho dó das estrelas..."
Peça ao seu pai para ler para você a estória do Pequeno Príncipe. O Pequeno Príncipe morava num asteróide. Um asteróide é um planeta bem pequeno, que gira em torno do Sol. O Pequeno Principe morava sozinho no seu asteróide com uma rosa, um carneiro e uma árvore gigantesca chamada Baobá. (Eu, a Raquel e o Paulinho temos uma muda de Baobá que vamos plantar em algum lugar de Campinas). Aí o Pequeno Príncipe resolveu fazer uma viagem e, de asteróide em asteróide (em cada asteróide morava um tipo divertido: o rei, o acendedor de lampiões, o vaidoso, o geógrafo, o astrônomo...) chegou à terra... Na terra, ele ficou amigo de um homem e de uma raposa. Mas chegou a hora da despedida. Na Terra, tudo se despede... Ele não gostava de despedidas mas era preciso voltar para casa, para sua rosa, o seu carneiro e o Baobá, lá no asteróide, na fundura escura do céu. E assim aconteceu. O Princepezinho se foi. E o seu amigo que ficara aqui na Terra, sozinho, ficava a olhar para os céus nas noites estreladas e se perguntava: "Em que pontinho de luz ele estará?"