Morte na vida real ainda deixa dúvidas sobre o que fazer com o legado virtual
ANA IKEDA | Do UOL Tecnologia
http://tecnologia. uol.com.br/ ultimas-noticias /redacao/ 2010/03/26/ morte-na- vida-real- deixa-legado- virtual-sem- herdeiros. jhtm
Se lidar com a morte na vida real já é difícil, a situação também pode ser complicada no mundo online. Transportamos parte de nossas vidas para perfis e blogs na internet, sem uma preocupação real de qual será o destino dos nossos "pertences virtuais" se morrermos. Diante dessa nova realidade para aqueles que têm de lidar com a morte, surgem algumas dúvidas. Um internauta precavido deve preparar um "testamento" , deixando suas senhas de redes sociais com pessoas de confiança? No caso de morte, o perfil original deve continuar online ou ser apagado? E, por último, quem tem o direito de tomar a decisão de dar um fim à ''imortalidade' ' – pelo menos no universo virtual – de quem já se foi?
Uma rápida busca no Orkut mostra que geralmente os perfis de quem morreu continuam disponíveis. Algumas situações são bem delicadas, dependendo das circunstâncias da morte da pessoa.
Esse é o caso de uma adolescente americana de 17 anos, Alexis Pilkington, vítima de cyberbulling – posts maldosos e anônimos sobre sua aparência eram constantes na sua página do Facebook. Amigos acreditam que as mensagens levaram Alexis a cometer suicídio. O pior da história é que, mesmo após a morte da garota, comentários cruéis continuaram a ser deixados na página de Alexis, já transformada em memorial.
"É preciso ficar atento ao efeito que posts como estes causam naqueles que ainda estão de luto pela morte da pobre garota. É nojento e sem coração", disse Michael Stracuzza ao site Huffington Post. A filha dele é uma das amiga de Alexis que ficou abalada após ver os posts maldosos.
Além de casos como o de Alexis, é comum encontrar uma grande miscelânia de posts nos perfis online dos mortos. Como mostra a imagem no início desta reportagem, logo acima de uma mensagem de adeus pode aparecer o convite para uma festa V.I.P, recados animados de boas festas, scraps de quem ainda não soube da notícia, e por aí vai.
Isso põe em dúvida se o melhor a fazer mesmo é não apagar as redes sociais. Já existem sites que ajudam parentes e amigos a recuperar as senhas de quem morreu para que possam entrar nos perfis para apagá-los, como o Legacy Locker. Ainda, muitas redes sociais criaram meios para que seja possível deletar o conteúdo, sem necessidade de ter a senha, com o preenchimento de um formulário online e o envio de uma cópia do atestado de óbito.
Deletar ou não?
Ainda não existem muitas pesquisas sobre o luto por meio da internet, mas um estudo em andamento da PUC-SP mostra uma grande variedade de reações quanto ao tema. Essa é a conclusão preliminar dos estudantes José Carlos Silvestre e Nuricel Villalonga: atrás do tema da morte e luto no ciberespaço, eles analisaram perfis de pessoas mortas (brasileiros e americanos) e realizaram uma série de entrevistas com pessoas com idades entre 14 e 35 anos.
Nessa variação de reações, os mais jovens não se sentem confortáveis ao visitar o perfil de alguém que já morreu e uma frase resumiu o sentimento geral: "seria tão triste e normal quanto visitar a sua lápide". Já os grupos mais velhos entendem o espaço como "álbum de fotos ou memorial".
Ainda assim, independente da faixa etária, a maior parte dos entrevistados manifestou o desejo de que suas páginas continuassem online como um espaço para homenagens. "Queria que meus amigos mantivessem como sinal de que sempre estarei presente na vida deles,
mesmo não estando aqui em vida, mas apenas em espírito", disse um dos entrevistados pelos pesquisadores.
Silvestre porém chama a atenção para um caso específico encontrado durante a pesquisa. "Achamos um perfil que passou a ser atualizado por alguém que tinha a senha e se passava pela pessoa falecida. Ele respondia os recados de adeus e interagia com os contatos", lembra.
Casos assim podem ser prejudiciais no processo de luto, segundo Regina Szylit Bousso, líder do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto da Universidade de São Paulo. "É como negar a perda, porque não é uma situação real. É como enganar aquela pessoa que está sofrendo", alerta.
Quem tem direito de apagar o perfil?
Ao final, se a decisão é excluir o perfil, resta a dúvida: a quem, juridicamente, caberá a decisão?
"Estamos falando de bens intangíveis – acervo de dados, gostos, amigos, fotografias. Alguns serviços já preveem esses casos e possibilitam a exclusão dos perfis. Mas uma outra opção é que a pessoa em vida deixe um testamento explicitando o que deverá ser feito com seus dados online e logins/senhas para que seja possível realizar a operação", detalha Renato Opice Blum, advogado especialista em Direito Eletrônico.
De praxe, os herdeiros estão legitimamente habilitados a solicitar a exclusão dos perfis diretamente pelo formulário oferecido pelas redes sociais nestes casos (veja como funcionam as regras em cada rede e serviços para facilitar a tarefa). Se a pessoa é casada, por exemplo, irá depender do regime de comunhão de bens pelo qual o casal optou, tal qual funciona para bens materiais.
Mas também é preciso ficar atento nos casos inversos (em que se deseja que o conteúdo seja mantido), especialmente no caso de blogs, que podem ser deletados devido à inatividade do usuário. "Os familiares devem notificar o provedor por meio de uma carta o quanto antes, para não correr o risco dos posts serem apagados", explica o advogado.