segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Desapegar-se é um exercício tão difícil quanto necessário em alguns momentos da nossa vida: de antigos conceitos; de objetos, roupas e coisas que já não utilizamos; de relacionamentos -- profissionais ou pessoais -- que já não nos satisfazem; de planos que já não têm mais nada a ver com a realidade atual; de idéias ultrapassadas; de sentimentos que já não encontram eco no outro. E esta é a lição que nos foi transmitida na última semana pela série de postagens "Uma história de vida e de amor", um depoimento, ao mesmo tempo, comovente, triste, romântico e maduro sobre o amor, assinado pela leitora Raquel.
Quando nos escreveu pela primeira vez, em junho, ela dizia que desejava um espaço para contar sua história de "amor de almas", mas pedia um espaço que, a princípio, somente ela sabia justificável para a grandiosidade de sua experiência. Mas quando finalmente recebemos seu texto (que foi apenas corrigido para se adaptar à formatação do blog), percebemos que era uma pedra preciosa de experiência de vida. Algo reconhecido por toda a redação e pelos inúmeros comentários recebidos ao longo dos dias de publicação. Agora, nos resta assimilar.
Neste sentido, há uma lenda budista que poderia nos ajudar e que conta a trajetória de um mestre e seu discípulo. Os dois estavam a caminho da aldeia vizinha quando chegaram a um rio caudaloso e viram na margem, uma bela moça tentando atravessá-lo. O mestre zen ofereceu-lhe ajuda e, erguendo-a nos braços, levou-a até a outra margem. E depois cada qual seguiu seu caminho. Mas o discípulo ficou bastante perturbado, pois o mestre sempre lhe ensinara que um monge nunca deve se aproximar de uma mulher, nunca deve tocar uma mulher. O discípulo pensou e repensou o assunto; por fim, ao voltarem para o templo, não conseguiu mais se conter e disse ao mestre:
— Mestre, o senhor me ensina dia após dia a nunca tocar uma mulher e, apesar disso, o senhor pegou aquela bela moça nos braços e atravessou o rio com ela.
— Tolo – respondeu o mestre – Eu deixei a moça na outra margem do rio. Você ainda a está carregando.
Desapego não é desinteresse, indiferença ou fuga. Não devemos nos tornar indiferentes aos problemas da vida. Não devemos fugir da vida; não se pode fugir dela quando somos sinceros. Muitos dos problemas da vida são causados pelo apego. Ficamos com raiva, preocupados, tornamo-nos ávidos, fazemos queixas infundadas e temos todos os tipos de complexos. Todas estas causas de infelicidade, tensão, teimosia e tristeza são devidas ao apego. Se você tem algum problema ou preocupação, examine a si mesmo e descobrirá que a causa é o apego.
A vida e seus problemas devem ser encarados e lidados de frente, mas não são coisas às quais devamos nos apegar. É verdade que o dinheiro tem sua importância, mas a pessoa que se apega a ele torna-se avarenta e escrava do dinheiro. É muito fácil nos apegarmos à nossa beleza, às nossas aptidões ou às nossas posses, e assim nos sentirmos superiores aos outros. É igualmente fácil nos apegarmos à nossa feiúra, à nossa falta de aptidões ou à nossa pobreza, e assim nos sentirmos inferiores aos outros. O apego às condições favoráveis leva à avidez e ao falso otimismo, enquanto que o apego às condições desfavoráveis leva ao ressentimento e ao pessimismo.
Quando adoecemos, chegamos até mesmo a nos apegar à doença. Quando você estiver doente, aceite a doença e faça o possível para se recuperar. Aceite a doença e a transcenda… ou melhor, aceite-transcendendo. A vida é mutável; todas as coisas são mutáveis; todas as condições são mutáveis. Por isso, “deixe ir” as coisas.
Para mim, a lição de Raquel é nos ensinar que a busca por se sentir feliz passa pelo caminho, algumas vezes doloroso, de abrir mão do que se ama para dividir com quem necessita -- ou, como no caso dela, por seu próprio sentimento de evolução -- e poder tocar adiante, em paz.
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